quinta-feira, 7 de maio de 2009

leveza

É preciso leveza. É uma forma de equilíbrio, um desafio lúdico à lei da gravidade.

Um clichê que vale a pena: cabeça no céu, pé no chão. É assim mesmo. Talvez a experiência mais insignificante seja a mais autêntica e a mais glamourosa, superficial. Talvez o mistério seja a receptividade para a magia da vida: o copo de água matando a sede, a criança brincando, gente namorando, a natureza pulsando, o universo se expandindo indiferente ao nosso ego, e os intervalos. Os intervalos em que oferecemos nossa mente vazia para a fecundação do cosmos. O vazio onde tudo pode acontecer e onde, de repente, a vida explode detonando os limites da mediocridade vigente, deflorando o hímen medroso do ontem e do amanhã.

Só o aqui-agora, a consagração do instante eterno.

Lembrando Paul Valerì: é preciso ser leve como pássaro, não como pluma. Que tal uma dieta de pensamentos? Deixe-os ao (in)vento. Então salte no abismo sem fundo da vida e bata as asas da intuição. Ou não.
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bashô oswald

poeminuto
um segundo de eternidade
me atravessa a vida


(de anarcotrafego)
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harmonia

senti o sopro da imensidão
através do exato segundo de luz
em que auscultei a revelia de meu espírito
eletrizado e macio
pululando em meu micro-organismo

e meu corpo atômico na turbulência
rivalizando com uma solicitude cósmica
provinda do mais absurdo silêncio
que o universo cósmico caótico imaginário alcançou
da harmonia plena com as profundas sendas
do meu ser errante bailarino

meu corpo pulula no macro-organismo
implacável lume na penumbra
contraste necessário da eterna existência
eterna pluralidade
negação e complemento
ação imanente dos opostos no que é único
desconhecido rebento
amado ventre

(de dissecando o drama)
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que a consciência desfrute
uma pausa no infinito

que os sentidos percebam
o leve rigor do intervalo

que a mente repouse
na generosidade do vazio

(de poesia-zen-anarquia)
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pulsação sutil
harmônica
transbordante no ser
se espalha na luz

a luz desenha o universo
que se guarda numa semente

repouso no infinito e no eterno
eu sou
ânima e contemplação

poesia e dança
caminho
na penumbra entre ser e estar

(de poesia-zen-anarquia)
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linguagem
em intenso fluxo
constante
enquanto leve
leveza toda densa

fonte enquanto silêncio
vazia enquanto
fala

poesia

(de poesia-zen-anarquia)
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anti-análise
des-logia

e se...
eu...
esquece:
inspira expira
zen-ASpirAção

acho...
por quê...?...
esquece:
vida é vida

e caminho

escorregar em arco-íris
olhar nos olhos do vento
queimar em fogo colorido
comer terra e luz
se embriagar com um copo vazio

NÃO TEM LÓGICA NENHUMA
anti-análise

(de poesia-zen-anarquia)



sábado, 25 de abril de 2009

miséria

Miséria é miséria em qualquer canto. Miséria é, mas tem camadas que atuam em diferentes esferas. A miséria social nos engole e nos devolve sem olhos, em pele opaca. Então podemos dar ou receber esmolas, conselhos e orações, formando a urbe a zumbizar. A miséria do lixo, a miséria do luxo. Vejam quantos carros apressados, violentos; quantos cômodos vazios nas fortalezas da opulência; quanta roupa escondendo a pele fina; quanto remédio na farmácia, quanta doença na rua, quanta dor e quanta droga. Vejam as favelas, os bancos, a indústria bélica e a alimentícia. Miséria cultural, TV miséria, entretenimento-entorpecente. Miséria espiritual enchendo igrejas e shoppings. Miséria existencial moldando o comportamento, engordando corporações econômicas, contendo a vida numa rotina autômata. A miséria do corpo em clínicas de estética, fitness e bocas de crack. Átomos de miséria que o ser humano cultiva para constituir seu organismo social e sua vida miserável. Miséria é miséria em qualquer canto, o império do ser humano, grávido de vermes decompositores, vestido de arrogância e engano.
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colapso urbano


as nuvens estão regando
os cabelos dos homens
eles crescem como as passadas
que se apressam como ventania

gotas se batem
e rolam no asfalto
inundam cães e carros
curam bêbados

em seguida correntezas
levam camas e mesas
um pedaço da fome
um bolo de violência e uma pedra de crack

o chão treme
a terra arde
o fogo cai alucinado
na fantasia da chuva

cidade submersa em fantasia
da secura da vida
dum arco-íris doce
no colapso das horas

a cidade respira por aparelhos
escuta ao longe bebês chorando
pulsa em ondas que quebram
e mordem câmeras de TV

o sol desliga os aparelhos
a água se evapora como a vida
a noite escurece a tristeza
embala a esperança que sonha

o mundo é de pedra novamente
banhada de xixi de rato
lapidada por trabalho escravo
cortando
pés de infância

o vento sopra
a nuvem chove
o sol queima
o submundo sobrevive



(de poemas manifestos )
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deusesperança


das orações que você fez
qual foi ouvida?

quando bradou por chuva
veio a sede
quando clamou pela cura
veio a dor

farto de esperança
aplacou-lhe a decadência
desesperado
ganhou o silêncio

passou a vida
chorando no ermo
ouvindo os próprios soluços
ao açoite dos ventos

a divina providência lhe esqueceu
a tudo e a todos que pode tocar
e você é fiel
como uma máquina programada

siga pois na sua estrada
espere na morte
salvação que na vida não há
não pense em tudo
que tudo não cabe na sua cabeça

vai esquecendo
de ti, do mundo
que Deus é grande
o suficiente para preencher sua mente
até transbordar como a água dos seus olhos

e Este que transborda
vai formando o rio da miséria
desaguando no mar de gente
que corre com pavor
face a face com Satanás

Satanás é a cara do desencanto
migalha de opulência divina
a ressaca depois da farra
a caganeira depois da comilança
- o nome do que você tem
quando tudo lhe falta

você se sente amarrado
mas não vê o seu algoz
vocifera e resmunga
clamando por Deus
- o nome de tudo que sempre lhe falta




(de eu rexisto)
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a fome

o nada devora a essência
o vazio devora a existência



A FOME DEVORA O HOMEM


O HOMEM DEVORA CRATERAS



CRATERAS DEVORAM ASTROS



ASTROS DEVORAM A TERRA



A TERRA DEVORA PÓLVORA



PÓLVORA DEVORA FLORESTAS



FLORESTAS DEVORAM MÍSSEIS



MÍSSEIS DEVORAM FETOS




FETOS DEVORAM ÚTEROS



ÚTEROS DEVORAM ASAS



ASAS DEVORAM VENTOS




VENTOS DEVORAM O CAMINHO



O CAMINHO DEVORA NÉVOA



NÉVOA DEVORA SONHOS




SONHOS DEVORAM O FUTURO



O FUTURO DEVORA ROBÓTICA


ROBÓTICA DEVORA MENTES





MENTES DEVORAM O FIM



O FIM DEVORA O HOMEM



O HOMEM DEVORA


A FOME



(de eu rexisto )

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estado de miséria


os indigentes
pagam pelos doutores


(de anarcotráfego)

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favela existencial


há de ver cidades
mansões altivas
adversidades


(de anarcotráfego )






misérias

segunda-feira, 30 de março de 2009

fantasia

Há a fantasia que se vivencia como farsa, fuga, agente conformador e entorpecente. Há a fantasia que é experiência criativa e autêntica, fruto de um desejo intrínseco, vital de ampliar as possibilidades de vida, de transformar a sociedade.


A primeira é inócua e esteriotipada, vem pasteurizada e enlatada, pronta para ser consumida em natais páscoas carnavais réveillons, dia dos pais das mães dos namorados; brad cruise, sharon jolie, luxo lixúria, carros tais roupas assim casa x e n cartões de crédito - informes publicitários que alimentam um estilo de vida, delimitam valores e perpetuam uma estrutura social miserável, violenta e injusta. Pobres crianças! Suas mentes tão tenras e criativas, capazes de evanescentes fantasias e sofrendo terríveis mutilações: um papai noel que atende crianças boazinhas e não tão pobres; coelhos da páscoa trazendos caríssimos ovos de chocolates; barbies e xuxas... Um universo inteiro de novas possibilidades sendo adestrado para o consumo, cerceado nos limites da mediocridade, reprimido e substituído por uma fantasia que só tem dois frutos: conformismo e desilusão. Uma indústria que engole crianças e molda adultos.


Agora o outro lado: a fantasia como catarse criativa em momentos de crise e capaz de fazer abrir novos horizontes; a fantasia utópica que nos impele à vida por outra sociedade, a fantasia surreal que expande a área da nossa consciência e que nos faz ver a vida com outros olhos, a fantasia intersemiótica que subverte linguagens e signos esteriotiopados provocando novos modos de se relacionar com o mundo e com os indivíduos, a fantasia poética que encanta e revoluciona nosso cotidiano...


Vale citar Eduardo Galeano: "A Utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Pra que serve a Utopia? Serve pra isso: pra que eu não deixe de caminhar." Cito também Charles Baudelaire: "O bom senso nos diz que as coisas da Terra são muito pouco reais, e que, a verdadeira realidade só existe nos sonhos."


Então viva a fantasia livre, em estado bruto e selvagem. Que só você possa lapidá-la ou regá-la. Que ela seja estopim e expressão de sua subjetividade mais autêntica e mais frutífera.

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poema da rexistência

tenho esculpido
sonhos de pétalas
em corpos imaginários
ardentes na vitrine do desejo

traçado um paraíso
em meus olhos de prata
num pacto com o vento
dançado sobre ruínas
e eliminado cinzas
de pesadelo humano

tenho me feito guerreiro
exposto meu coração
ao ouro dos punhais
e voltado emanando fumaças
de cores impossíveis

ora com um sorriso
ora com uma mordida
meus dentes têm seduzido sonhos
e instigado lutas

e meus lábios
sempre sujos de poesia
têm tatuado fantasias e desejos impuros
na alma de quem me beija
na palavra que esculpe
com a língua cortante
molhada de néctar e libido

(de poemas manifesto)
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possibilidades
...fazer o corpo humano um instrumento de prazer e não de labuta.
Herbert Marcuse

a vida que é lavoura
poderia ser também balet
às vezes lavoura
às vezes balet

mas ela é máquina
dióxido de carbono
engrenagem tijolo
sola de sapato gasta

querem-na gélida e ofuscante
e ela é o calor inerte de nossos atos no escuro
dias e noites sucessivas
plenos de segundos maçantes

poderia ter asas
ou saber ventar
reinventar diariamente – leve e doce
o plúmbeo ato de ser

(de anarcotráfego)
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realidades paralelas

cada noite mais densa
no limbo de cada dia
o sopro das desesperanças
varre cada sonho

e o que refresca a insônia?
o fardo da impotência
se revela em plenitude
e eu me deito na imaginação

quantos vales passeiam por meus pés
horas de felicidade
a rara lucidez
de um pássaro voando

talvez a lembrança
do socorro de um acaso
batendo no relógio
a cada segundo

algumas realidades paralelas
tímidas
que quando soltam a voz
são o único sentido da vida

(de anarcotráfego)
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o povo, o governo e a utopia

o fantástico
não obedece à razão

o fantoche obedece

o fantoche pode
ser fantástico
se bem manipulado

o fantástico é
o fantástico

(de anarcotráfego)
___________________
caminho

meu maior sonho
é o passo à frente
que seja manco longo ou elegante
e seja firme
como marcha
seja flutuante
como pensar
sem ninguém na retaguarda

faminto implacável
vejo das estrelas
a realidade nua e crua
meu maior sonho
o passo a frente

(de anarcotráfego)

terça-feira, 17 de março de 2009

mais trabalho

Há mais ou menos 16 anos trabalho com poesia. Só falo isso para dar continuidade à postagem anterior, não como auto-elogio. Mas, além de trabalhar para sobreviver, trabalho pela poesia e isso não me deu nenhum tostão, apenas poemas. Acha pouco? Não é, pois eles não se esgotam - eles não me esgotam: é uma relação suave, necessária, de simplesmente dar e receber.
Utilizamos a linguagem de maneira autômata, utilitária e, por muitas vezes, dissimulada. É a poesia que vai colocar o dedo nessa ferida, se voltar para essa linguagem, abocanhá-la, deglutí-la e devolvê-la renovada, transformada, mais límpida e mais ampla; autêntica, autônoma, matéria bruta e obra prima.
Poesia é ajustar a linguagem ao fluxo da vida, tomar a linguagem como um corpo e animá-lo.
Linguagem, linguagem linguagem. Língua-geme, língua-falacala, faca alada, língua-gema, linguage, lambe, língua-gene. Língua-linguagem vaporizada, quase nada, se esvaindo. E um retorno em tempestade - fala - silenciosa.
Não se esqueçam que os limites da linguagem, sua forma ordinária e estanque, limita suas possibilidades de experimentar a vida. Metapoesia, do jeito que quiser.
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poesia


folhas alvas
relvando o jardim
da cósmica gestação

passeiam cravos rosas
orquídeas margaridas
girassóis
crianças e anciãos
passeia o labor
das formigas estivadoras
a carregar palavras
densas e cristalinas

o jardim é um mar
de luz solar
há um barco em travessia
e uma tempestade azul

olimpo diluído em artérias
o peito humano pleno
de sonho alípede
olhar choroso
fulcro de vida
marginal
fertilizando o solo
de linguagens e existências improváveis
súbitas e perpétuas

(de anarcotráfego)
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meta linguagem

arte pela arte
de viver

(de anarcotráfego)
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divisor de águas

subitamente
um cortejo de imagens
evade-se de minha memória
avança
perturbando meu tédio

o cotidiano se perde
catatônico em auto-pista
espectador
do tráfego intenso

assim a poesia invade a vida
e nunca sei
qual das duas é verdadeira
ou se ambas são
falsas

teremos que optar entre a enchente
de um universo de tédio
e uma tempestade
de universos imperfeitos?

(de dissecando o drama)
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sem título

desde que nasci
deito-me em teu solo
rolo minha vida
perturbado por tua história

posso sangrar
ao toque de qualquer flor caótica
desmanchar-me como papel nas águas
depois chorar qual orvalho na árvore cortada
desmanchar-me ao calor das pedras
desfrutar de todos os teus horrores

só não posso deixar-te
nem a vida das que em ti rolam ao meu lado

durma em paz
não acordarás sozinho
estarei cravado em tua carne
acompanhado de inúmeros vermes

depois te deixarei
a minha carcaça
e quando me desintegrar por completo
só então
deixarei meus sonhos
esvoaçados na tua memória
estes e outros versos
que habitarão em ti
eterna
mente

(de dissecando o drama)
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sina de poeta

os poemas voltam a me perturbar
e eu a enlouquecer-me

como Baudelaire
caminhando sobre flores do mal
Witman sobre folhas de relva
ou Rimbaud pela estação do inferno

vejo um guardador de rebanhos
nas núpcias entre céu e o inferno
com a rosa do povo entre os dedos
ouço um uivo
perturbando o admirável mundo novo
vejo uma faca só lâmina
cortando luz mediterrânea entre
caprichos e relaxos

creio que estou voltando à casa
onde havia esquecido meu sorriso infantil
e minha luta mais sincera
meras utopias
meu lar

(de eu rexisto)

quarta-feira, 11 de março de 2009

trabalho

qualquer coisa


Desemprego, o problema. Criar novos postos de trabalho, qualificar mão-de-obra, aquecer o mercado... seriam soluções? Nesses limites a discussão é inócua.

A centralização dos meios de produção nas mãos de poucos gera o desemprego e mais: o subemprego, o regime de semi-escravidão legalizado, o trabalho alienado e sua distribuição hierárquica, injusta e irracional. Este sistema deve derrocar. Não sei se verei, mas acontecerá, como já aconteceu com outros sistemas que pareciam perenes e que por fim caíram. É que o Poder tem uma arrogância cega que se concatena com o medo do povo e nessa relação sadomasoquista ambos se bolinam, se molestam, se destróem.

Não temos direito ao trabalho, somente. Temos direito a trabalho digno. Que tal um trabalho que amplia as possiblidades de experimentar a vida? Que tal um trabalho por uma sociedade mais justa e menos triste? Que tal um trabalho que amplie a nossa consciência e enriqueça nosso espírito? Um trabalho que nos garanta a sobrevivência, mas que não nos impeça de viver?

Aumentar a produção de bens materiais fúteis e o seu consumo é uma forma de suicídio à prestação. Vamos acabar com o trabalho alienado e brutalmente hierarquizado que movimenta essa engrenagem de destruição em massa. Precisamos meditar o conselho de Confucio: se ama o que fazes não terás um só dia de trabalho.

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operário em produção


VENHARÁPIDOMOSTREOCRACHÁVISTAOUNIFORMELIMPEA
MÁQUINALIGUEAMÁQUINAMAISPRODUÇÃOMENOSCONVER
SANÃOMEPERGUNTENÃOMERESPONDAvocêéumbomfuncionári
oumdiavouaumentarseusalárioPODESAIRPROALMOÇOVOLTEEM
TRINTAMINUTOSPORQUÊDEMOROUTANTO?ESTAVAPENSAN
DO?NÃOPENSEVARRAOCHÃOLIMPEOTETONÃOPAREAGORAF
AÇABEMFEITOEUTEPAGOPRAISSOAGORAVOCÊJÁPODEIRVO
LTEAMANHÃBEMCEDOVENHARÁPIDOMARQUEOPONTOVOCÊ
JÁESTÁVINTEMINUTOSATRASADOPORQUÊAINDANÃOTIROU
ESSACAIXADAÍAGORAFAÇAESSAPEÇATENHOURGÊNCIASENÃ
OTERMINARNOPRAZOESTIPULADOVAITERQUEFICARDEHOR
AEXTRAJÁTERMINOU!parabénsVOCÊCUMPRIUCOMSUAOBRIG
AÇÃOumdiavoulhedarumapromoçãoPORQUÊPAROUDETRABALHAR?NÃOQUERSUARACAMISA?OQUÊ?!Não faz nada demais e ainda quer aumento... Você tá sonhando. Pensa que faz tijolos pra construir, mas para nós você é que é um tijolinho da nossa construção. Deu defeito a gente troca. Lamento, está DESPEDIDO!

(de anarcotráfego)
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"(...) os sinos badalam em surdina
é hora de voltar ao trabalho ( na boca dos leões tenho meu alimento e eu corro no deserto entrenublado de girassóis a parir punhais de topázio
meu peito é alvo imantado, meu sangue é néctar e mata minha sede
sigo doente pela cura – irmãs incógnitas da memória desvairada, sopro de rosa em botão e suspiro de peixe-águia
como não falar em anjos e demônios que me guardam e me furtam? em deuses me sondando como voyeuses? em pessoas como pulgas e poeira em minha pele, minha casa? como não beijar minhas asas mutiladas e acesas? como?...
não sou lagarto suicida, amanhã serei borboleta a sobrevoar os jardins do Éden e as ruínas de Hiroshima
sobrevoarei os anais da história, cus do inconsciente, a lembrança no espelho
sobrevoar, sobreviver...
sobrevoar!)
zumbis marcham mecânicos e riem vagamente (...)"

(de primeiro koan)
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manhã de sol!
eu indo pro trabalho
desperdiçar a vida

(de raicais)
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poema

o sopro da inspiração
é como bafo de cachaça
amanhecido

o porre da ressaca
na manhã da flor seguinte
o sol em sua palestra
a lua em seu sono

tudo floresce
no labor da mente
no clamor do peito
no cansaço das pernas

no mofo do caminho
com suas feras sua selva
cheirando enxofre poeira e monóxido de carbono
bálsamo jasmim e ópio

trans piração
transpoesia

(de anarcotráfego)


segunda-feira, 2 de março de 2009

caminho

qualquer coisa



Se Iluminação é o escopo e o Caminho tem seus atalhos, Poesia é o sol-lanterna que conduz nossos passos pela penumbra. Ou então lua cheia sobre a noite escura. Mas também é a própria noite escura. Ou não é noite, nem escura. Ora, é o que a linguagem alcança, linguagem polida, inaugural e selvagem.

Pra quê poesia? Não faço essa pergunta, faço poesia. Então ela ganha corpo, luz, movimento e re-signi-fica minha vida, ou melhor, minha experiência existencial, porque vida transcende a linguagem. Sigo... Aconchego, inquietude,inteiro,vazio...

Silêncio e manifesto: META POESIA, DO JEITO QUE QUISER!

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poema da rexistência

O bom senso nos diz que as coisas da Terra
são muito pouco reais, e que, a verdadeira realidade
só existe nos sonhos.
Baudelaire


tenho esculpido
sonhos de pétalas
em corpos imaginários
ardentes na vitrine do desejo

traçado um paraíso
em meus olhos de prata
num pacto com o vento
dançado sobre ruínas
e eliminado cinzas
de pesadelo humano

tenho me feito guerreiro
exposto meu coração
ao ouro dos punhais
e voltado emanando fumaças
de cores impossíveis

ora com um sorriso
ora com uma mordida
meus dentes têm seduzido sonhos
e instigado lutas

e meus lábios
sempre sujos de poesia
têm tatuado fantasias e desejos impuros
na alma de quem me beija
na palavra que esculpe
com a língua cortante
molhada de néctar e libido

(de poemas manifestos)
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caminho


meu maior sonho
é o passo à frente
que seja manco longo ou elegante
e seja firme
como marcha
seja flutuante
como pensar
sem ninguém na retaguarda

faminto implacável
vejo das estrelas
a realidade nua e crua
meu maior sonho
o passo a frente

(de anarcotráfego)
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linguagem
em intenso fluxo
constante
enquanto leve
leveza toda densa

fonte enquanto silêncio
vazia enquanto
fala

poesia

(de poesia-zen-anarquia)