segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

carnaval

qualquer coisa

O carnaval me deprime, um pouco. Tem algo muito frágil na alegria que se apossa das pessoas no carnaval - entristece-me, um pouco. Não é a orgia, recôndita no dia a dia e que, no carnaval, se aflora, o que me incomoda. Nem é a fuga de um cotidiano de miséria existencial e social para um paraíso hedonista, paralelo a um inferno autodestrutivo. Mas a poluição sonora e visual é foda, ou melhor, não é foda, é ruim mesmo: miserável de dentro pra fora e ostensiva de fora pra dentro, mais uma praça de alimentação para alimentar a gula do capitalismo. As crianças, os velhos, todos consumindo alegria enlatada. O pior é isso: o empobrecimento das linguagens - a cultura massificada em seu apogeu: desfilam robôs, embora entorpecidos, devidamente descartáveis e alimentando a demanda por coisas descartáveis.
NÃO LAMENTO! Releio Tao Te Ching e poesia beat; medito koans zen e encontro haicais; ouço blues, Ravi Shankar, Bethoven, Bob Dylan, Rock'n'roll e João Gilberto - a lucidez me recompõe e me abre os olhos à beleza que conforta a vida (não aquela que conforma a consciência) e posso ouvir pássaros, cachoeira, libertar em meus ouvidos um samba de Paulinho da Viola, um frevo de Alceu, a guitarra de Armandinho, uma marcha do Paranga.
Aos que conseguem se divertir na paz, numa boa, inabaláveis aos massacres da mídia, desenhando com seus corpos em luz novas estéticas para experimentar a vida, deixo um convite para um chá, na quarta-feira de cinzas, brindando a pluralidade cultural em suas expressões mais espontâneas e criativas.
Lá eu estarei em brasa!
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o livre-arbítrio


o pássaro
que nasceu e cresceu
na gaiola
não pode mais ser livre

ainda que pule e cante
suas asas se fizeram chumbo
e seus olhos apenas contemplam
o lar celeste

tudo já seria triste demais
se deveras fosse
um pássaro
(de anarcotráfego)
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o povo, o governo e a utopia


o fantástico
não obedece à razão

o fantoche obedece

o fantoche pode
ser fantástico
se bem manipulado

o fantástico é
o fantástico
(de anarcotráfego)
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elite


entre Midas e Medusa
um rio seco
um leito de seca
(de anarcotráfego)
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que a consciência desfrute
uma pausa no infinito

que os sentidos percebam
o leve rigor do intervalo

que a mente repouse
na generosidade do vazio

(de poesia-zen-anarquia)

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

estranhamento

qualquer coisa

É estranho caminhar na rua e ver que está tudo normal.
A mulher que pede esmola, o ar poluído, o cara no carro, o outro tomando coca-cola. Ele paquera, ela fala no celular e todos se arrastam, se suportam. Parece que estamos executando um programa, levando uma vida artificial e previsível até o momento em que alguém desliga o botão - a morte.
É estranho pensar que neste cenário alguém faça haicais, tente aprender a fazer blog de poesia e mudar as coisas. Eu só. Eu que sufocantemente sobrevivo e nos lampejos de vida, respiro. É estranho pensar que exitem no mundo milhares, talvez milhões de malucos sufocados como eu respirando pelas frestas de luz. É eles que realizam a fotossíntese espiritual e espalham a consciência de que precisamos permanecer vivos e atentos.
Afinal, na mais límpida realidade, tudo é perigoso, tudo é divino maravilhoso.
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uns falam
outros faZEN

falar lacônico não é
fazer
belo discurso é não-curso

falar
um risco vital no silêncio
[só se ato cósmico
de palavra transatômica

transformando a vida]
(de poesia-zen-anarquia)
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se eu pudesse
faria um poema
contra a guerra
(de poemas manifestos)
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possibilidades
...fazer o corpo humano um instrumento de prazer e não de labuta.
Herbert Marcuse


a vida que é lavoura
poderia ser também balet
às vezes lavoura
às vezes balet

mas ela é máquina
dióxido de carbono
engrenagem tijolo
sola de sapato gasta

querem-na gélida e ofuscante
e ela é o calor inerte de nossos atos no escuro
dias e noites sucessivas
plenos de segundos maçantes

poderia ter asas
ou saber ventar
reinventar diariamente – leve e doce
o plúmbeo ato de ser
(de anarcotráfego)

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

publicado

Esta é minha primeira tentativa de criar um blog para divulgar minha poesia e também trocar algumas idéias. Como estréia, três poemas, de três livros inéditos. É um teste, aos poucos vou aperfeiçoando.
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a(dor)ação


carregar a cruz

que matou Jesus


que Tao?

( de anarcotráfego)
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educandos


educador eu
queria
minha cabeça
uma bola
brilhante
nos pés sujos de anjo-criança
e só

drible gol explosão
cabeça minha rolando
no asfalto
beijando pés angelicais infantes
saltando voando
no fundo de suas almas fundas
criança eu

(de olhos eternos)
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todos eles se deitam
sob a luz
só eus ficamos de pé
num canto escuro

eles se encorporam
numa fortaleza
eu se desmancha e evapora
é um gigante de ar

eles sempre ganham
cheios de glórias se perdem
eu sabe que perderá
e se encontrará no vazio

(de poesia-zen-anarquia)