segunda-feira, 30 de março de 2009

fantasia

Há a fantasia que se vivencia como farsa, fuga, agente conformador e entorpecente. Há a fantasia que é experiência criativa e autêntica, fruto de um desejo intrínseco, vital de ampliar as possibilidades de vida, de transformar a sociedade.


A primeira é inócua e esteriotipada, vem pasteurizada e enlatada, pronta para ser consumida em natais páscoas carnavais réveillons, dia dos pais das mães dos namorados; brad cruise, sharon jolie, luxo lixúria, carros tais roupas assim casa x e n cartões de crédito - informes publicitários que alimentam um estilo de vida, delimitam valores e perpetuam uma estrutura social miserável, violenta e injusta. Pobres crianças! Suas mentes tão tenras e criativas, capazes de evanescentes fantasias e sofrendo terríveis mutilações: um papai noel que atende crianças boazinhas e não tão pobres; coelhos da páscoa trazendos caríssimos ovos de chocolates; barbies e xuxas... Um universo inteiro de novas possibilidades sendo adestrado para o consumo, cerceado nos limites da mediocridade, reprimido e substituído por uma fantasia que só tem dois frutos: conformismo e desilusão. Uma indústria que engole crianças e molda adultos.


Agora o outro lado: a fantasia como catarse criativa em momentos de crise e capaz de fazer abrir novos horizontes; a fantasia utópica que nos impele à vida por outra sociedade, a fantasia surreal que expande a área da nossa consciência e que nos faz ver a vida com outros olhos, a fantasia intersemiótica que subverte linguagens e signos esteriotiopados provocando novos modos de se relacionar com o mundo e com os indivíduos, a fantasia poética que encanta e revoluciona nosso cotidiano...


Vale citar Eduardo Galeano: "A Utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Pra que serve a Utopia? Serve pra isso: pra que eu não deixe de caminhar." Cito também Charles Baudelaire: "O bom senso nos diz que as coisas da Terra são muito pouco reais, e que, a verdadeira realidade só existe nos sonhos."


Então viva a fantasia livre, em estado bruto e selvagem. Que só você possa lapidá-la ou regá-la. Que ela seja estopim e expressão de sua subjetividade mais autêntica e mais frutífera.

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poema da rexistência

tenho esculpido
sonhos de pétalas
em corpos imaginários
ardentes na vitrine do desejo

traçado um paraíso
em meus olhos de prata
num pacto com o vento
dançado sobre ruínas
e eliminado cinzas
de pesadelo humano

tenho me feito guerreiro
exposto meu coração
ao ouro dos punhais
e voltado emanando fumaças
de cores impossíveis

ora com um sorriso
ora com uma mordida
meus dentes têm seduzido sonhos
e instigado lutas

e meus lábios
sempre sujos de poesia
têm tatuado fantasias e desejos impuros
na alma de quem me beija
na palavra que esculpe
com a língua cortante
molhada de néctar e libido

(de poemas manifesto)
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possibilidades
...fazer o corpo humano um instrumento de prazer e não de labuta.
Herbert Marcuse

a vida que é lavoura
poderia ser também balet
às vezes lavoura
às vezes balet

mas ela é máquina
dióxido de carbono
engrenagem tijolo
sola de sapato gasta

querem-na gélida e ofuscante
e ela é o calor inerte de nossos atos no escuro
dias e noites sucessivas
plenos de segundos maçantes

poderia ter asas
ou saber ventar
reinventar diariamente – leve e doce
o plúmbeo ato de ser

(de anarcotráfego)
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realidades paralelas

cada noite mais densa
no limbo de cada dia
o sopro das desesperanças
varre cada sonho

e o que refresca a insônia?
o fardo da impotência
se revela em plenitude
e eu me deito na imaginação

quantos vales passeiam por meus pés
horas de felicidade
a rara lucidez
de um pássaro voando

talvez a lembrança
do socorro de um acaso
batendo no relógio
a cada segundo

algumas realidades paralelas
tímidas
que quando soltam a voz
são o único sentido da vida

(de anarcotráfego)
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o povo, o governo e a utopia

o fantástico
não obedece à razão

o fantoche obedece

o fantoche pode
ser fantástico
se bem manipulado

o fantástico é
o fantástico

(de anarcotráfego)
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caminho

meu maior sonho
é o passo à frente
que seja manco longo ou elegante
e seja firme
como marcha
seja flutuante
como pensar
sem ninguém na retaguarda

faminto implacável
vejo das estrelas
a realidade nua e crua
meu maior sonho
o passo a frente

(de anarcotráfego)

terça-feira, 17 de março de 2009

mais trabalho

Há mais ou menos 16 anos trabalho com poesia. Só falo isso para dar continuidade à postagem anterior, não como auto-elogio. Mas, além de trabalhar para sobreviver, trabalho pela poesia e isso não me deu nenhum tostão, apenas poemas. Acha pouco? Não é, pois eles não se esgotam - eles não me esgotam: é uma relação suave, necessária, de simplesmente dar e receber.
Utilizamos a linguagem de maneira autômata, utilitária e, por muitas vezes, dissimulada. É a poesia que vai colocar o dedo nessa ferida, se voltar para essa linguagem, abocanhá-la, deglutí-la e devolvê-la renovada, transformada, mais límpida e mais ampla; autêntica, autônoma, matéria bruta e obra prima.
Poesia é ajustar a linguagem ao fluxo da vida, tomar a linguagem como um corpo e animá-lo.
Linguagem, linguagem linguagem. Língua-geme, língua-falacala, faca alada, língua-gema, linguage, lambe, língua-gene. Língua-linguagem vaporizada, quase nada, se esvaindo. E um retorno em tempestade - fala - silenciosa.
Não se esqueçam que os limites da linguagem, sua forma ordinária e estanque, limita suas possibilidades de experimentar a vida. Metapoesia, do jeito que quiser.
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poesia


folhas alvas
relvando o jardim
da cósmica gestação

passeiam cravos rosas
orquídeas margaridas
girassóis
crianças e anciãos
passeia o labor
das formigas estivadoras
a carregar palavras
densas e cristalinas

o jardim é um mar
de luz solar
há um barco em travessia
e uma tempestade azul

olimpo diluído em artérias
o peito humano pleno
de sonho alípede
olhar choroso
fulcro de vida
marginal
fertilizando o solo
de linguagens e existências improváveis
súbitas e perpétuas

(de anarcotráfego)
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meta linguagem

arte pela arte
de viver

(de anarcotráfego)
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divisor de águas

subitamente
um cortejo de imagens
evade-se de minha memória
avança
perturbando meu tédio

o cotidiano se perde
catatônico em auto-pista
espectador
do tráfego intenso

assim a poesia invade a vida
e nunca sei
qual das duas é verdadeira
ou se ambas são
falsas

teremos que optar entre a enchente
de um universo de tédio
e uma tempestade
de universos imperfeitos?

(de dissecando o drama)
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sem título

desde que nasci
deito-me em teu solo
rolo minha vida
perturbado por tua história

posso sangrar
ao toque de qualquer flor caótica
desmanchar-me como papel nas águas
depois chorar qual orvalho na árvore cortada
desmanchar-me ao calor das pedras
desfrutar de todos os teus horrores

só não posso deixar-te
nem a vida das que em ti rolam ao meu lado

durma em paz
não acordarás sozinho
estarei cravado em tua carne
acompanhado de inúmeros vermes

depois te deixarei
a minha carcaça
e quando me desintegrar por completo
só então
deixarei meus sonhos
esvoaçados na tua memória
estes e outros versos
que habitarão em ti
eterna
mente

(de dissecando o drama)
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sina de poeta

os poemas voltam a me perturbar
e eu a enlouquecer-me

como Baudelaire
caminhando sobre flores do mal
Witman sobre folhas de relva
ou Rimbaud pela estação do inferno

vejo um guardador de rebanhos
nas núpcias entre céu e o inferno
com a rosa do povo entre os dedos
ouço um uivo
perturbando o admirável mundo novo
vejo uma faca só lâmina
cortando luz mediterrânea entre
caprichos e relaxos

creio que estou voltando à casa
onde havia esquecido meu sorriso infantil
e minha luta mais sincera
meras utopias
meu lar

(de eu rexisto)

quarta-feira, 11 de março de 2009

trabalho

qualquer coisa


Desemprego, o problema. Criar novos postos de trabalho, qualificar mão-de-obra, aquecer o mercado... seriam soluções? Nesses limites a discussão é inócua.

A centralização dos meios de produção nas mãos de poucos gera o desemprego e mais: o subemprego, o regime de semi-escravidão legalizado, o trabalho alienado e sua distribuição hierárquica, injusta e irracional. Este sistema deve derrocar. Não sei se verei, mas acontecerá, como já aconteceu com outros sistemas que pareciam perenes e que por fim caíram. É que o Poder tem uma arrogância cega que se concatena com o medo do povo e nessa relação sadomasoquista ambos se bolinam, se molestam, se destróem.

Não temos direito ao trabalho, somente. Temos direito a trabalho digno. Que tal um trabalho que amplia as possiblidades de experimentar a vida? Que tal um trabalho por uma sociedade mais justa e menos triste? Que tal um trabalho que amplie a nossa consciência e enriqueça nosso espírito? Um trabalho que nos garanta a sobrevivência, mas que não nos impeça de viver?

Aumentar a produção de bens materiais fúteis e o seu consumo é uma forma de suicídio à prestação. Vamos acabar com o trabalho alienado e brutalmente hierarquizado que movimenta essa engrenagem de destruição em massa. Precisamos meditar o conselho de Confucio: se ama o que fazes não terás um só dia de trabalho.

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operário em produção


VENHARÁPIDOMOSTREOCRACHÁVISTAOUNIFORMELIMPEA
MÁQUINALIGUEAMÁQUINAMAISPRODUÇÃOMENOSCONVER
SANÃOMEPERGUNTENÃOMERESPONDAvocêéumbomfuncionári
oumdiavouaumentarseusalárioPODESAIRPROALMOÇOVOLTEEM
TRINTAMINUTOSPORQUÊDEMOROUTANTO?ESTAVAPENSAN
DO?NÃOPENSEVARRAOCHÃOLIMPEOTETONÃOPAREAGORAF
AÇABEMFEITOEUTEPAGOPRAISSOAGORAVOCÊJÁPODEIRVO
LTEAMANHÃBEMCEDOVENHARÁPIDOMARQUEOPONTOVOCÊ
JÁESTÁVINTEMINUTOSATRASADOPORQUÊAINDANÃOTIROU
ESSACAIXADAÍAGORAFAÇAESSAPEÇATENHOURGÊNCIASENÃ
OTERMINARNOPRAZOESTIPULADOVAITERQUEFICARDEHOR
AEXTRAJÁTERMINOU!parabénsVOCÊCUMPRIUCOMSUAOBRIG
AÇÃOumdiavoulhedarumapromoçãoPORQUÊPAROUDETRABALHAR?NÃOQUERSUARACAMISA?OQUÊ?!Não faz nada demais e ainda quer aumento... Você tá sonhando. Pensa que faz tijolos pra construir, mas para nós você é que é um tijolinho da nossa construção. Deu defeito a gente troca. Lamento, está DESPEDIDO!

(de anarcotráfego)
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"(...) os sinos badalam em surdina
é hora de voltar ao trabalho ( na boca dos leões tenho meu alimento e eu corro no deserto entrenublado de girassóis a parir punhais de topázio
meu peito é alvo imantado, meu sangue é néctar e mata minha sede
sigo doente pela cura – irmãs incógnitas da memória desvairada, sopro de rosa em botão e suspiro de peixe-águia
como não falar em anjos e demônios que me guardam e me furtam? em deuses me sondando como voyeuses? em pessoas como pulgas e poeira em minha pele, minha casa? como não beijar minhas asas mutiladas e acesas? como?...
não sou lagarto suicida, amanhã serei borboleta a sobrevoar os jardins do Éden e as ruínas de Hiroshima
sobrevoarei os anais da história, cus do inconsciente, a lembrança no espelho
sobrevoar, sobreviver...
sobrevoar!)
zumbis marcham mecânicos e riem vagamente (...)"

(de primeiro koan)
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manhã de sol!
eu indo pro trabalho
desperdiçar a vida

(de raicais)
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poema

o sopro da inspiração
é como bafo de cachaça
amanhecido

o porre da ressaca
na manhã da flor seguinte
o sol em sua palestra
a lua em seu sono

tudo floresce
no labor da mente
no clamor do peito
no cansaço das pernas

no mofo do caminho
com suas feras sua selva
cheirando enxofre poeira e monóxido de carbono
bálsamo jasmim e ópio

trans piração
transpoesia

(de anarcotráfego)


segunda-feira, 2 de março de 2009

caminho

qualquer coisa



Se Iluminação é o escopo e o Caminho tem seus atalhos, Poesia é o sol-lanterna que conduz nossos passos pela penumbra. Ou então lua cheia sobre a noite escura. Mas também é a própria noite escura. Ou não é noite, nem escura. Ora, é o que a linguagem alcança, linguagem polida, inaugural e selvagem.

Pra quê poesia? Não faço essa pergunta, faço poesia. Então ela ganha corpo, luz, movimento e re-signi-fica minha vida, ou melhor, minha experiência existencial, porque vida transcende a linguagem. Sigo... Aconchego, inquietude,inteiro,vazio...

Silêncio e manifesto: META POESIA, DO JEITO QUE QUISER!

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poema da rexistência

O bom senso nos diz que as coisas da Terra
são muito pouco reais, e que, a verdadeira realidade
só existe nos sonhos.
Baudelaire


tenho esculpido
sonhos de pétalas
em corpos imaginários
ardentes na vitrine do desejo

traçado um paraíso
em meus olhos de prata
num pacto com o vento
dançado sobre ruínas
e eliminado cinzas
de pesadelo humano

tenho me feito guerreiro
exposto meu coração
ao ouro dos punhais
e voltado emanando fumaças
de cores impossíveis

ora com um sorriso
ora com uma mordida
meus dentes têm seduzido sonhos
e instigado lutas

e meus lábios
sempre sujos de poesia
têm tatuado fantasias e desejos impuros
na alma de quem me beija
na palavra que esculpe
com a língua cortante
molhada de néctar e libido

(de poemas manifestos)
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caminho


meu maior sonho
é o passo à frente
que seja manco longo ou elegante
e seja firme
como marcha
seja flutuante
como pensar
sem ninguém na retaguarda

faminto implacável
vejo das estrelas
a realidade nua e crua
meu maior sonho
o passo a frente

(de anarcotráfego)
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linguagem
em intenso fluxo
constante
enquanto leve
leveza toda densa

fonte enquanto silêncio
vazia enquanto
fala

poesia

(de poesia-zen-anarquia)