terça-feira, 17 de março de 2009

mais trabalho

Há mais ou menos 16 anos trabalho com poesia. Só falo isso para dar continuidade à postagem anterior, não como auto-elogio. Mas, além de trabalhar para sobreviver, trabalho pela poesia e isso não me deu nenhum tostão, apenas poemas. Acha pouco? Não é, pois eles não se esgotam - eles não me esgotam: é uma relação suave, necessária, de simplesmente dar e receber.
Utilizamos a linguagem de maneira autômata, utilitária e, por muitas vezes, dissimulada. É a poesia que vai colocar o dedo nessa ferida, se voltar para essa linguagem, abocanhá-la, deglutí-la e devolvê-la renovada, transformada, mais límpida e mais ampla; autêntica, autônoma, matéria bruta e obra prima.
Poesia é ajustar a linguagem ao fluxo da vida, tomar a linguagem como um corpo e animá-lo.
Linguagem, linguagem linguagem. Língua-geme, língua-falacala, faca alada, língua-gema, linguage, lambe, língua-gene. Língua-linguagem vaporizada, quase nada, se esvaindo. E um retorno em tempestade - fala - silenciosa.
Não se esqueçam que os limites da linguagem, sua forma ordinária e estanque, limita suas possibilidades de experimentar a vida. Metapoesia, do jeito que quiser.
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poesia


folhas alvas
relvando o jardim
da cósmica gestação

passeiam cravos rosas
orquídeas margaridas
girassóis
crianças e anciãos
passeia o labor
das formigas estivadoras
a carregar palavras
densas e cristalinas

o jardim é um mar
de luz solar
há um barco em travessia
e uma tempestade azul

olimpo diluído em artérias
o peito humano pleno
de sonho alípede
olhar choroso
fulcro de vida
marginal
fertilizando o solo
de linguagens e existências improváveis
súbitas e perpétuas

(de anarcotráfego)
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meta linguagem

arte pela arte
de viver

(de anarcotráfego)
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divisor de águas

subitamente
um cortejo de imagens
evade-se de minha memória
avança
perturbando meu tédio

o cotidiano se perde
catatônico em auto-pista
espectador
do tráfego intenso

assim a poesia invade a vida
e nunca sei
qual das duas é verdadeira
ou se ambas são
falsas

teremos que optar entre a enchente
de um universo de tédio
e uma tempestade
de universos imperfeitos?

(de dissecando o drama)
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sem título

desde que nasci
deito-me em teu solo
rolo minha vida
perturbado por tua história

posso sangrar
ao toque de qualquer flor caótica
desmanchar-me como papel nas águas
depois chorar qual orvalho na árvore cortada
desmanchar-me ao calor das pedras
desfrutar de todos os teus horrores

só não posso deixar-te
nem a vida das que em ti rolam ao meu lado

durma em paz
não acordarás sozinho
estarei cravado em tua carne
acompanhado de inúmeros vermes

depois te deixarei
a minha carcaça
e quando me desintegrar por completo
só então
deixarei meus sonhos
esvoaçados na tua memória
estes e outros versos
que habitarão em ti
eterna
mente

(de dissecando o drama)
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sina de poeta

os poemas voltam a me perturbar
e eu a enlouquecer-me

como Baudelaire
caminhando sobre flores do mal
Witman sobre folhas de relva
ou Rimbaud pela estação do inferno

vejo um guardador de rebanhos
nas núpcias entre céu e o inferno
com a rosa do povo entre os dedos
ouço um uivo
perturbando o admirável mundo novo
vejo uma faca só lâmina
cortando luz mediterrânea entre
caprichos e relaxos

creio que estou voltando à casa
onde havia esquecido meu sorriso infantil
e minha luta mais sincera
meras utopias
meu lar

(de eu rexisto)

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